Contacto de Imprensa

SISU News Center, Office of Communications and Public Affairs

Tel : +86 (21) 3537 2378

Email : news@shisu.edu.cn

Address :550 Dalian Road (W), Shanghai 200083, China

Leitura Adicional

VIDA NA SISU | A China e eu


20 November 2015 | By Filipa Teles | SISU

 

Foi no final de 2010 que soube que viria para Xangai. Jamais o pensara antes de acontecer. Nesse ano, chegavam a Portugal muitas notícias sobre a China e sobre Xangai, devido à Exposição Mundial de Xangai. As notícias sobre a China haviam-se intensificado nos últimos anos, a partir dos Jogos Olímpicos de Pequim. Devido a estes dois grandes eventos, em Portugal ouvia-se falar muito da China. Mas as imagens que nos chegavam através dos jornais, das revistas e da televisão não eram as imagens que havia no nosso imaginário coletivo. Mesmo sendo um país longínquo, existe no imaginário dos portugueses uma certa imagem da China, uma imagem que se confunde com a própria história de Portugal. Era essa também a imagem que havia na minha memória. Nesse último Natal que passei em Portugal antes de vir para a China, no dia 25 de dezembro de 2010, a minha família ofereceu-me um Guia Turístico da China, que incluía todas as províncias, com mapas e fotografias. Folheei o Guia, alegre e expectante, e as fotografias que vi eram estranhas e surpreendentes. Com aquele guia nas minhas mãos comecei a minha viagem na China meses antes de chegar a Xangai.

 

 

Sempre me senti atraída pelo Oriente. Talvez seja algo comum a muitos portugueses. Portugal é um país antigo, muito antigo e metade da sua história fez-se através do contacto com o Oriente. Em 1498, o navegador Vasco da Gama chegou à Índia. Anos mais tarde, em 1513, os Portugueses chegaram à China. Desde então, o destino de Portugal passou a estar unido ao Império do Meio, nação muito mais antiga do que Portugal. Na escola, crescemos com histórias de navegadores, viagens e contactos com povos longínquos. Crescemos com a memória das riquezas que trazíamos do Oriente para Lisboa que, como Xangai hoje, era um grande porto internacional onde aportavam riquezas e povos de todo o mundo no século XVI. Da China os portugueses traziam pérolas, sedas, chá, porcelanas. Foi a partir de Portugal, com a Rainha D. Catarina de Bragança, rainha consorte de Inglaterra e Escócia, que o chá foi "institucionalizado" nos hábitos da corte inglesa. A partir de então, esse nobre hábito de se beber o "chá das 5" (5 o´clock tea) difundiu-se por todo o mundo.

 

 

Em casa dos meus pais bebia-se chá de jasmim em chávenas de porcelana chinesa. Em casa dos meus pais cresci com pedaços da China que me chegavam através de Moçambique. Os meus pais tinham estado em Moçambique onde a comunidade chinesa era grande antes de 1974. Havia em minha casa um Mah Jong, pauzinhos, um serviço de porcelana chinesa e outros objetos de origem chinesa, que os meus pais tinham adquirido na antiga colónia portuguesa antes de eu nascer. Esses objetos ainda existem em casa dos meus pais mas agora significam muito mais para mim, porque compreendo-os à luz da minha própria vida na China.

 

Desde que cheguei passaram quase quatro anos. Este ano será o quarto Natal que passo na China, longe da minha família e do espírito natalício que é tão vivo e festivo nas ruas de Lisboa, onde vivo. Passaram quatro anos, anos difíceis e mágicos, que sinto como quatro pérolas. Das dificuldades que vivi, do enriquecimento pessoal e profissional por que passei, por cada ano passado, produzi uma pérola perfeita e redonda.

 

Durante estes quatro anos, viajei pela China e visitei muitas províncias e cidades. Aprofundei os meus conhecimentos sobre a gastronomia chinesa, sobre os festivais chineses, sobre a cultura, a sociedade. A cultura da China é vasta, profunda e diversa e não sei quantas vidas seriam precisas para eu poder dizer que conheço a China. Agora folheio o Guia Turístico que recebi no Natal há quatro anos e reconheço muitas imagens, os nomes das cidades, das províncias. Observo as imagens e elas já não me parecem estranhas. Chego mesmo a comentar que a cultura chinesa não é muito diferente da cultura portuguesa. Acredito convictamente que não é, porque mais do que a nações, continentes, línguas, raças diferentes, somos seres humanos e estamos unidos por esse laço superior a todas as fronteiras e ideias.

 

 

Vivi muitas experiências nestes quatro anos que passaram e seria difícil enumerar o que mais me agrada na China. A cultura tradicional chinesa é fascinante e há uma delicadeza na arte que me emociona e que sinto quando leio os poemas de Li Bai ou de Du Fu. Mesmo passados tantos séculos, mesmo traduzidos do chinês antigo para o português contemporâneo, sente-se ainda a vibração da poesia mais delicada, mais elevada. Aprecio também profundamente a cultura do chá. Sei hoje diferenciar os diferentes tipos de chá e quase diria ser capaz de fazer um chá de acordo com a cultura chinesa. Gosto de beber uma chávena de chá verde ou de pu er e de ouvir música chinesa, tocada em guzheng ou erhu. E gostava de poder encher uma caravela só com tesouros chineses e levá-la para Lisboa e fazer o meu pequeno museu chinês cheio de preciosidades, cheio de porcelanas e pinturas e caixas e leques.

 

Passaram quatro anos e agora compreendo as imagens que chegavam a Portugal em 2010, durante a Exposição Mundial de Xangai. São imagens verdadeiras da China Moderna, às vezes muito mais moderna do que o meu pequeno país no extremo ocidental da Europa. Nestes quatro anos, as relações entre a China e Portugal estreitaram-se muito e a percepção que os portugueses têm sobre a China mudou, devido aos grandes investimentos chineses em Portugal.

 

 

Viver na China tem sido uma experiência fascinante, plena de momentos ricos e, por vezes, duros. Como referi, sinto cada ano na China como uma pérola e sinto-me diferente daquilo que era antes de chegar. Muitos portugueses do passado passaram na China, seja através de Macau seja através da China Continental, quer para fazer comércio quer para difundir o cristianismo. Camões, o maior poeta português, também terá estado na China e o mesmo sobre Bocage. E muitos outros cujo nome foi esquecido. 2014 é o ano em que se comemoram os 400 anos da publicação de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, uma obra que conta os primeiros contactos entre os portugueses e os povos orientais.

 

Portugal é um pequeno país europeu no extremo ocidental da Europa, banhado pelas águas azuis e frias do oceano Atlântico. Em Xangai, sonho com esse mar e um dia regressarei a essa costa ventosa e azul que é o meu país no meu pensamento. Voarei sobre a Ásia e sobre a Europa. E nesse extremo da Rota da Seda estará Lisboa à minha espera. Porto antigo onde antes aportavam caravelas cheias das riquezas do Oriente. A esse mesmo porto eu regressarei um dia, plena da riqueza que terá sido para mim ter vivido durante alguns anos neste grande, imenso país.

 

 

É dezembro e os dias são frios e cinzentos em Xangai. Mais frios mas não mais cinzentos do que em Lisboa. Mais um ano passou e em breve a China se alegrará para receber o Festival da Primavera. Da janela da minha casa chinesa, olho a noite profunda e escura sobre Xangai. Ao longe brilham as luzes da Torre da Pérola Oriental e de muitos outros prédios famosos de Pudong. Na noite escura e fria as luzes brilham e piscam e parecem as luzes das árvores de Natal em Portugal. Olho mais uma vez através da janela a lua branca sobre Xangai e aos meus ouvidos Li Bai sussura-me:

Os raios de luar em frente do meu leito.

Estará o chão coberto de geada?

Levanto a cabeça, olho a Lua,

baixo a cabeça, penso no meu lar.

Poemas de Li Bai, trad. António Graça de Abreu, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1996, p. 99.

 

 

Filipa Teles

Leitora do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai (entre 2010 e 2015)

 

 

Compartilhar:

Contacto de Imprensa

SISU News Center, Office of Communications and Public Affairs

Tel : +86 (21) 3537 2378

Email : news@shisu.edu.cn

Address :550 Dalian Road (W), Shanghai 200083, China

Leitura Adicional